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18/07/2021 08H24
Em 14 anos, o mundo se rendeu ao Brasil. Foi no tempo em que Pelé vestiu a camisa da seleção brasileira, entre 1957 e 1971. Para o brasileiro, aquele período de tempo acabou se tornando a marca de um país e, naqueles momentos, a relação com Pelé foi tão intensa que parecia ter sempre existido. Mal-acostumados com o privilégio, sentimos que nunca acabaria.
Mas, de fato, no dia 18 de julho de 1971, o rei Pelé, aos 31 anos, se despediu da seleção brasileira. Há exatos 50 anos, o Maracanã novamente se tornou um espelho da alma do brasileiro que, das arquibancadas, sentia o peso da realidade, tendo a impressão de que um encanto os iludira. O que parecia fazer parte há milênios da história do País, Pelé com a camisa do Brasil, estava se acabando.
Diante de 138.575 pessoas, em amistoso contra a Iugoslávia, Pelé fazia seu último jogo pela seleção. O último gol havia feito uma semana antes, no empate por 1 a 1 com a Áustria, no Morumbi.
Um dos presentes em campo, Clodoaldo lembra que participou do jogo um tanto contrariado com o fato de Pelé se despedir naquele momento.
"Quando Pelé anunciou que ia se despedir da seleção, eu particularmente achava que ele estava parando cedo. Até hoje acho isso. Assim como achei que ele parou cedo no Santos, em 1974. Mas ele tinha seus projetos de jogar nos EUA e ser garoto-propaganda do futebol por lá. Na seleção, ele poderia ter prosseguido. Na Copa de 1974 ele poderia jogar junto de alguns remanescentes de 70, como Leão, Rivellino e Jairzinho", diz.
Clodoaldo, que atuou com Pelé na Copa de 70 e foi por muito tempo seu companheiro no Santos, também não pôde, por causa de uma contusão, jogar na Copa de 1974. Ele até acha que não precisaria ser cortado. E que, com Pelé, a partida contra a sensação Holanda, pelas semifinais, quando o Brasil perdeu por 2 a 0, teria outro desfecho.
"A história poderia ser outra. Ele estaria em forma e a seleção brasileira teria tudo para ser campeã. Hoje os jogadores atuam com 36, 37 anos e bem. Pelé, o melhor de todos os tempos, também poderia prosseguir sem problemas até essa idade e jogar pelo menos mais duas Copas", lembra.
O jogo contra os iugoslavos terminou 2 a 2, gols de Rivellino e Gérson para o Brasil e Dzajic e Jerkovic para os adversários, dirigidos por Vujadin Boskov, que anos depois faria sucesso na Sampdoria de Toninho Cerezo.
Quando deixou o campo, em volta olímpica, ainda no primeiro tempo, Pelé tirou a camisa e, como se ela fosse a sua mais íntima confidente, a levou ao rosto e chorou.
As lágrimas revelavam a força daquela vestimenta, o sentido de sua carreira, resumido na devoção da multidão que, como último recurso, gritava, em tom de apelo: "Fica, fica, fica..."
Para Clodoaldo, aquele momento foi sublime.
"Eu estava em campo e foi emocionante ouvir a plateia em coro, pedindo para ele ficar. A decisão dele já estava tomada, mas mesmo assim a torcida insistiu. Foi um reconhecimento de tudo que ele havia feito pela seleção e pelo país, um símbolo da gratidão por tudo o que ele representou para o País, para o futebol e para o mundo, algo eterno", observa.
A contragosto, Pelé desobedeceu o pedido. Com o coração palpitante, desceu os degraus para o vestiário do Maracanã, após pisar pela última vez no campo como jogador da seleção.
E cada passo em meio à intensa atmosfera daquela tarde de domingo, se encaixava como uma volta no tempo, uma retrospectiva de tudo que fizera após ter pisado no gramado pela primeira vez com a camisa amarela.
Foram 14 anos de glória extrema. Pelé se tornou o maior artilheiro da história da equipe, com 95 gols (77 oficiais) em 123 partidas (92 oficiais).
Após ser convocado pela primeira vez em julho de 1957, pelo treinador Sylvio Pirillo (exatamente um ano após ter estreado no futebol), Pelé teve uma ascensão meteórica.
Ele foi campeão do Mundo em 1958, tornando-se o mais jovem a conseguir o feito. Também se tornou o mais jovem bicampeão, em 1962 e o único tricampeão em campo, algo que ocorreu na Copa de 1970, quando fez, além de gols, jogadas memoráveis, como o chute do meio de campo contra a Tchecoslováquia, o drible de corpo no goleiro Mazurkiewicz, do Uruguai, e a cabeçada para o chão, defendida de forma histórica pelo goleiro inglês Gordon Banks.
Pelé, mais do que tudo, se tornou sinônimo de Brasil. Em uma época efervescente, se misturou à cultura popular e coloriu de orgulho um novo país que sonhava emergir.
Sua imagem estava presente no imaginário popular, nas conversas de bar, nos debates políticos, nos flertes dos jovens nas praias ensolaradas, nas teses acadêmicas, no recanto dos lares, preenchendo cada espaço no vasto território nacional. Pelé e futebol se tornaram um modo de vida.
Com o passar dos anos, o país foi se acostumando a não vê-lo mas em campo. Ele ainda participou de jogos festivos, após a despedida oficial. Um deles em 1976, no Maracanã, quando foi tirada a histórica foto do suor em forma de coração em sua camisa (autoria de Luiz Paulo Machado, da Placar). O outro em 1990, na Itália, vestindo a camisa do Brasil.
Mas foram momentos efêmeros. A verdade é que o País teve, a cada dia desde 1971, que aprender a lidar com um vazio difícil de ser preenchido, que trouxe períodos de crises e de oscilações, fazendo o brasileiro se perguntar: será que ainda somos os mesmos?
Muita coisa mudou, mas Pelé acabou se tornando o símbolo maior, não do que ele, mas do que o brasileiro poderia fazer, se encontrasse algo onde pudesse revelar seu potencial.
E, por mais que muita coisa tenha mudado, o clamor da multidão no Maracanã revelava um temor de que tudo aquilo se acabasse com Pelé se despedindo.
O "Fica, fica, fica" teve este sentido: não nos abandone. Mas, com o passar dos anos, e a conclusão de que Pelé é uma parte do Brasil, a própria carreira do ídolo foi se misturando à rotina brasileira, do Oiapoque ao Chuí.
Ninguém está só quando tem um Pelé em sua essência. Em sua identidade. Pelé mudou o Brasil de patamar, para sempre. Mesmo com os problemas do País. Mesmo com a ausência. Mesmo com a ameaça de esquecimento, que desemboca sempre na saudade. Pelé, ficou.
Anos de glória
Eugenio Goussinsky, do R7