Hospital de São Paulo testa aparelho similar ao usado na detecção de uso de álcool em motorista para descobrir tumor no estômago.
Imagine conseguir detectar um
tumor maligno por meio de um tipo de bafômetro, parecido com o usado para
descobrir se o motorista bebeu. Em vez de passar por longos exames, o paciente
assopra durante dez segundos em um aparelho e em dez minutos sai o resultado.
Pode parecer coisa de filme ou
novela. Mas é a vida real e o Hospital AC Camargo, referência no Brasil no
tratamento de câncer, faz parte de um estudo que verifica a efetividade de um
aparelho criado em Israel e que está sendo testado no mundo.
A princípio, o foco é a detecção de tumores no estômago. De acordo com o Inca
(Instituto Nacional de Câncer), a doença é o terceiro tipo mais frequente entre
homens e o quinto entre as mulheres. Na maioria dos casos a descoberta da
doença não é precoce.
“O câncer do estômago é uma
doença silenciosa, não tem sintomas muito específicos. A pessoa começa a sentir
algum desconforto na região abdominal, no estômago, e demora um tempo até ser
encaminhado para um exame endoscópico”, explica Emmanuel Dias-Neto, biólogo
molecular do Centro Internacional de Pesquisas do A.C. Camargo Cancer Center.
O processo é longo e tem custo
alto, uma vez que são necessários profissionais especializados, desde o
endoscopista até um patologista oncológico. A maioria das pessoas que passam
por uma endoscopia tem problemas leves e os pesquisadores propõem o uso do
aparelho para facilitar o diagnóstico e diminuir o custo da saúde, principalmente
no SUS (Sistema Único de Saúde).
“O conceito é interessante, que é
a biopsia gasosa, da respiração. Ele é um avanço da biopsia líquida, em que o
sangue é usado para achar alguma doença. Agora, queremos achar algum marcador
presente na respiração”, diz o biólogo.
“Em vez de pegar um fragmento de
tecido e ver se ele parece morfologicamente um câncer ou não, o que fazemos é
pegar uma amostragem de moléculas na respiração e buscar padrões que são
característicos de pessoas com câncer ou sem câncer”, acrescenta Dias-Neto.
O aparelho está sendo criado há
quatro anos pelo Instituto de Tecnologia de Israel, com o apoio de
profissionais na Finlândia, Suécia e Alemanha. O hospital brasileiro está entre
os parceiros clínicos do projeto. “Levamos a máquina a campo para ver a
capacidade de ela dar o diagnóstico correto”, conta o cientista.
O "bafômetro" ficará em
São Paulo por pelo menos seis meses e o objetivo do hospital é usar em mais de
300 indivíduos, entre doentes e saudáveis. Os pesquisadores precisam registrar
o maior número de perfis para ter a base de comparação.
“Ao soprar no caninho, o ar é
aquecido, distribuído por um sistema de bombas internas e é avaliado por três
detectores. Essa avaliação vai gerar um espectro de padrões de respiração, como
se fosse o perfil de um eletrocardiograma, com uma linha em movimento. Sabemos
que cada um dos vales ou picos da linha é fruto da presença de determinadas
moléculas”, observa Dias-Neto.
O espectro pronto é colocado em uma nuvem do projeto, servidor digital que pode ser acessado pela internet, e todos os médicos e cientistas podem consultar os modelos de pessoas saudáveis e doentes. Além do Brasil, Chile e na Letônia têm hospitais que estão fazendo o cadastro de perfis na base de dados. A expectativa é que em um ano o estudo já tenha respostas suficientes para pôr o aparelho para funcionar.
Viabilidade econômica
Sempre que surgem novidades
tecnológicas vem junto a dúvida: é possível termos esse benefício no SUS? Como
está em fase experimental, o aparelho não tem custo estipulado. “Mas os valores
dos componentes não são assustadores e o processo de realização do teste
praticamente não tem custo”, comemora Dias-Neto.
Além disso, a possibilidade de
detectar os tumores em estágio inicial torna mais fácil e rápido o tratamento e
consequentemente menos oneroso aos serviços de saúde, tanto o público quanto o
particular.
“Eu acredito muito na viabilidade
da implementação disso. Até pelo próprio interesse que as autoridades de saúde
vão ter em permitir o diagnóstico muito mais precoce, além de possibilitar
fazer uma varredura em toda a população, já que é barato, rápido e indolor”,
completa o pesquisador.
Futuro promissor
Além do uso para detecção de
tumores no estômago, o hospital brasileiro propôs e lidera outros dois estudos
com o uso da máquina durante o tratamento do câncer. É importante lembrar que
após cirurgias, quimioterapias, radioterapias e imunoterapias os pacientes
seguem rotinas de exames para checar a cura ou não da doença.
“Acreditamos que será fantástico
na avaliação após cirurgia e tratamento, porque provavelmente com esse aparelho
vai ser possível detectar muito precocemente o retorno da doença ou que está
tudo bem”, diz Dias-Neto.
O terceiro ensaio propõe o uso do
aparelho antes mesmo da cirurgia, nos chamados tratamentos neoadjuvantes,
protocolo mais moderno na busca da cura do câncer usado no AC Camargo. "Ao
compararmos o paciente que fez o tratamento prévio à operação com quem não o
fez, a sobrevida do primeiro é maior".
Caso o aparelho funcione nessas
análises, os médicos vão saber se o tratamento está sendo eficaz ou não e a
necessidade de encaminhá-lo para a operação mais rapidamente.
“Pretendemos usar o aparelho para
ver se o paciente está respondendo ao tratamento prévio. Essas ações são prova
da importância da pesquisa científica, principalmente quando está lado a lado
com a clínica, que é o caso do hospital”, ressalta o pesquisador.
Diagnóstico de outros tumores
Pode ficar a sensação de que o
aparelho é bom, mas será um gasto para detectar um único tipo da doença. Porém,
Dias-Neto acredita ser apenas o primeiro passo.
“Detectamos a respiração. Até no
projeto há pessoas que confundem, estou detectando pela boca, então é fácil
determinar uma doença no estômago. Não é bem por aí, já que o ar está vindo do
pulmão. São compostos que as células tumorais liberam no sangue, que é filtrado
no pulmão, e esses compostos saem na respiração. Por que estou dizendo isso?
Porque muito provavelmente esse aparelho vai servir para câncer de mama,
próstata e todos os tumores que imaginarmos”, conclui o biólogo brasileiro.